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"PARA A LAURA - Histórias de uma Gata"





Cap. 1: Para ti Laura

Capítulo 1: Para ti Laura minha querida irmã

Para: A Laura

 

Assunto: ANIVERSÁRIO

Cascais, 2005/Março/25

Olá querida Laura:

Lembras-te de mim? eu sou a tua irmã Ameixa e estou a “patinhar-te” em meu nome e dos nossos irmãozinhos, nesta altura, em que completamos o nosso primeiro ano de vida para te desejar muitas felicidades, travessuras pela vida fora e aproveitar, também, para te convidar para a minha festa de aniversário. Espero que te encontres bem, juntamente, com a tua nova família humana e felina. Eu estou bem. Tenho é muitas saudades tuas e dos manos. Das brincadeiras que fazíamos quando estávamos os quatro juntos, lembras-te? Bons tempos mana!

Ao princípio quando vim para aqui e fui separada dos manos – já tu te tinhas ido embora- é que me custou mais. As saudades aliada à pouca simpatia demonstrada por parte das minhas novas companheiras custou-me bastante. Mas eu era muito nova, e nessa altura, uma gata só pensa em brincar e se divertir, por isso mesmo, apesar delas serem todas bastante mais velhas do que eu (uma delas até já nem enxerga grande coisa) nunca perdi uma boa oportunidade para brincar mesmo que isso implicasse ouvir uns quantos rosnados. Agora, também brinco bastante na verdade tenho liberdade para fazer o que me apetecer. Enfim, às vezes dá-me uma louca e corro, corro, corro e salto para as costas delas. É um ai Jesus que nem fazes ideia. Só se vê é gatas a fugir em todas as direcções e às assopradelas, o dono costuma dizer: -  a soprarem assim ainda se esvaziam, parecem balões. Se calhar fazes o mesmo, ai em casa, às tuas companheiras à Mafalda e à Sara, eu sei, já ouvi falar delas. Divertido, também, é roer os pés do Xico quando ele chega a casa. O Xico é o cão. Tem sempre uns cheiros diferentes e muito agradáveis nas patas e é muito bonzinho para mim. De ínicio, passou uns tempos na varanda porque era doido. Pelo menos, é o que oiço a dona dizer. Acho que o tarado queria casar comigo!... Não percebo lá muito bem, porquê, nem o que isso queira dizer mas acho que sou muito nova para essas coisas e além do mais, já estou esterilizada. A dona dizia-lhe que eu não era para o bico dele e que se ele não metesse juízo naquela cabeça de “Cão de Água”, ainda lhe cortava qualquer coisa, que eu ainda não entendia bem o que fosse? E parece que cortou mesmo... pois ele já vive dentro de casa como todas nós.  Enfim, menos sorte parece terem tido os nossos irmãozinhos pois já ouvi comentar que a nossa salvadora não os deixa cavalgar nos gatos mais velhos lá de casa. Bem, nesta vida não se pode ter tudo, não é verdade? Têm um lar, comida e muito carinho, eles que brinquem os dois, que os outros já são gatos de idade avançada. Mas, Laura querida deixa-me contar-te como é que passo o meu dia a dia, aqui em casa, onde resido, com mais 5 companheiras: Somos todas meninas! Contigo passa-se o mesmo não é verdade!? As tuas companheiras são todas miúdas? Só que segundo sei, são ambas, pouco mais velhas do que tu. Até mesmo, um dos teus donos é ainda muito moço. Deve ser óptimo, ter companheiras jovens do nosso lado. Podem organizar grandes correrias pela casa fora. Ora no meu caso, conforme te estava a contar, não tenho essa ventura, o que como deves calcular, é uma grande maçada para uma gata na flor da idade como eu. Até mesmo a minha dona já ultrapassou, em muito, a esperança normal de vida de qualquer gato adulto. Bem, tem sempre a vantagem de pelo menos não andar, a toda a hora, a correr atrás de mim e a agarrar-me como se eu fosse uma boneca, pois como bem sabes, mana, nós os gatos, somos amantes da liberdade e gostamos muito pouco que nos apoquentem. Agora quando é para a brincadeira aí a conversa já é outra. Podem sempre contar comigo. Quanto à alimentação e higiene existem regras muito rígidas cá em casa: A nossa alimentação é muito cuidada sendo dada especial atenção às nossas barrigas que segundo sei são muito sensíveis. A dona só nos dá boas rações. Comida diversificada espalhada por diversos sitios proporcionando-nos maior distração e menos competição. No entanto, por vezes dá-nos uns lanches extras, com os quais nos deliciamos, suplementos vitaminicos e aminoácidos também fazem parte do nosso regime alimentar e produtos Anti Hairball ou seja “caramelos”, pelo menos é assim que nós, cá em casa, alcunhamos a umas pastas específicas e bem saborosas que servem para ajudar-nos a expelir as bolas de pelo que se formam e podem ser causadoras de grandes distúrbios gástrico-intestinais. Existem de várias marcas e sabores diferentes (atum, frango) eu gatalmente, aprecio muito. Muita erva fresca para pastarmos. Também, é preciso prestar muita atenção quanto ao nosso peso que não deve ultrapassar nunca o razoável. Num país em que grande parte da população humana está obesa nunca é demais chamar à atenção para este problema que pode acarretar sérios distúrbios para os animais. Já ouvi a nossa dona falar de alguns gatos, seus clientes, que mais parecem uns lutadores de Sumo. Ora se há algo que caracteriza um gato é a sua elegância e porte distinto ou não sejamos nós, nada mais, nada menos, do que belos exemplares de felinos de trazer por casa. Ora que eu saiba nunca se ouviu falar de um tigre obeso ou de um leopardo barrigudo?...Sim porque aquele artista de cinema muito conhecido, um que é cor de laranja, às riscas, ele que me desculpe que eu própria sou sua fã mas gatos pançudos só mesmo em banda desenhada. Por isso, é aconselhavél uma boa ração, passagem regular por cima das balanças e nada de excessos alimentares. Outra coisa que a nossa dona costuma fazer que nos agrada imenso é colocar a água que bebemos em cima da bancada da cozinha. É verdade, é um facto curioso, mas, nós gatos, temos destas manias: A água servida em cima de uma bancada, ou em algum outro local que se encontre a um nível superior agrada-nos muito mais do que se for colocada no chão. Também, temos preferência por recipientes de vidro ou porcelana, o plástico não é muito do nosso agrado e pouco higiénico. A nossa dona diz ter descoberto isto com uns clientes seus que o faziam aos seus gatos, e ela, embora, na altura o tivesse estranhado porque nunca tinha ouvido tal coisa, assim o fez, pois é esse o seu trabalho servir os seus clientes, cães e gatos, o melhor possível e se era esse o seu desejo assim se fizesse. Ao fim de algum tempo, constatou, ser pois verdade que os gatinhos, em questão, só bebiam água se esta fosse servida em cima da bancada. Depois disso, já outros clientes da minha dona lhe pediram para fazer o mesmo aos seus gatos e aos outros, que não lhe pedem tal coisa, é ela mesma, a nossa dona, que lhes alvitra tal serventia. No nosso caso bebemos por uma taça de barro o que torna a água mais fresca e saborosa. Para a comida seca optámos por comedouros em inóx por serem mais higiénicos. Também só bebemos água mineral para facilitar o bom funcionamento dos rins, evitando assim a formação de cálculos renais que com a idade se podem vir a formar acarretando sérios problemas, dolorosos e que podem mesmo colocar em risco a nossa vida, especialmente no caso dos machos. No que toca à higiene também a nossa dona é peremptória. Higiene e limpeza são fundamentais para que qualquer animal se possa sentir bem a conviver com os humanos. No que toca aos gatos, então aí, à que redobrar os cuidados. Ou não fosse-mos nós, os gatos, os animais mais asseados de que se tem conhecimento. Já a ouvi comentar que certos gatos fazem porcarias fora do local designado para o efeito porque as casas onde vivem são tão pouco asseadas que os pobres animais têm dificuldades em distinguir, onde começa e onde acaba, o referido local. O ideal é terem um WC bem limpo e arejado de preferência longe do local das refeições. O mesmo se passa com os humanos que sofrem de doenças alérgicas. Claro que para um doente asmático, provavelmente nós não seremos a melhor companhia, mas, nem por isso, é necessário deitar fora o velho gato, como se de um fardo de palha se tratasse. Qualquer semelhança é mera coincidência. O que é necessário, durante uma crise alérgica, é ter-se muito cuidado com a higiene, isso sim. Mais uma vez a nossa dona salta em nossa defesa dizendo que se os humanos fossem tão asseados e felizes como a maioria dos gatos, tentam ser, provavelmente, não sofreriam tanto de alergias. Ela que o diga, pois também foi proibida pelos médicos de ter gatos. E … como já te apercebeste, cá em casa, somos seis saquinhos de pelo não contando com o Xico. A dona conta-nos que chegou a um ponto da sua vida que já nem passada conseguia dar tal era o seu estado de prostração depois das crises alérgicas. O sofrimento era atroz, parecia ter os olhos, nariz e ouvidos cheios de aranhas em movimento de um lado para o outro. Os ataques de espirros constantes e o pingo no nariz e olhos a chorar davam-lhe o aspecto de uma mártir. O antigo companheiro dizia-lhe, não saber como era possível, não a despedirem por atentado ao silêncio pois todo o dia a ouvirem-na espirrar devia ser de doidos. - Como é que algum chefe atura uma secretária assim? - Comentava ele. Mas o pior era para a nossa dona. Na altura em questão, ela era secretária numa empresa de produtos farmacêuticos, da Margem Sul, o que quer dizer que tinha perfeito conhecimento a cerca das referidas vacinas contra as alergias e médicos e farmacêuticos também, não faltavam, por ali, todos eles unânimes em que ela teria que se desfazer dos gatos. Claro está, que, quanto mais ouvia tal barbaridade, menos vontade tinha de se tratar. Mas um dia o calvário já era tanto que resolveu procurar ajuda médica. Tratou de se informar sobre um bom Alergologista, que dava consultas em Cascais e resolveu tratar-se. Mas diz que ao entrar no consultório do doutor, com um ar mais para lá do que para cá, quase de moribunda, com uma voz arrastada ainda conseguiu negociar com ele que só valeria a pena fazer a consulta se continuasse a ter os seus gatos, pois não fazia intenções de se desfazer de nenhum deles. Imagina a cara do doutor, deve ter pensado que a minha dona era doida, mas como médico sapiente que era lá chegaram a um acordo. Ela faria os testes, ele dar-lhe-ia os seus pareceres e receituário e ela comprometer-se-ia a ficar só, e apenas, com os dois gatos que possuía na altura. Claro, está, que o resultado do teste acusou pelo de gato, e pelo de gato e mais pelo de gato e inchou, de tal forma, a que ninguém mais tivesse dúvidas, de que ela, era alérgica aos pelos dos gatos. Melhor, ainda, dito pelo próprio doutor alérgica a qualquer pelo de qualquer animal. Só poderia ter peixes, que pela sua natureza têm escamas e não pelo. A nossa dona lembrou-lhe do acordo que tinham feito na primeira consulta e prosseguiram sem mais conversas sobre pelos, gatos e coisas afins. Ao fim de alguns anos de tratamento que a nossa dona seguiu à risca numa das últimas consultas o doutor, comentou não gostar particularmente de gatos mas, questionar-se muito sobre o quê que teriam, em especial, esses animais que vários clientes seus aflitos com fortes ataques de asma não aguentavam sem que os mesmos não lhes fossem levados até às clínicas em que estavam internados pois não conseguiam suportar a ausência de tão especiais companheiros? Será preciso responder? Para bom entendedor meia palavra basta, não é verdade minha irmã. Acho que a dona lhe respondeu com um franco sorriso. Se o doutor em questão soubesse que, hoje em dia, graças às suas consultas e tratamentos fielmente seguidos a nossa dona não só triplicou o número de gatos como trabalha com animais, o que diria ele? É preciso ter cuidado, muita higiene e seguir os tratamentos de um bom Alergologista, mas quanto ao gato, se calhar, sem ele, o doente ainda ficaria em pior estado, pois modéstia à parte, para a minha dona as alergias são um queixume da alma que por algum motivo não está bem com ela própria e tenta através desses ataques demonstrar isso mesmo. Por isso, siga os conselhos do seu Alergologista, tente ser feliz e por favor não abandone o seu gato, esta é a opinião da minha dona também ela vítima de rinite alérgica. Seja como for Laura convém agradecer-mos ao doutor em questão por ser tão compreensivo com os seus pacientes. Pois caso contrário, eu, tu os manos, a Cinzinha, a Fôfa, etc, etc, não teríamos tido hipóteses de sobreviver, já pensaste nisso? Para já não falar no caso de muitos animais que, tal como tu, não teriam quem tomasse conta deles durante as férias dos seus donos já que é esse o seu trabalho prestar apoio domiciliário a animais. Mas por falar de higiene e muito importante, também, convém desmistificar o facto de não ser caso de alarme - contrariamente ao que se costuma ouvir dizer – as grávidas não terem de se livrar dos seus fiéis companheiros durante a gestação. Apenas, como é lógico, devem ter certos cuidados com a higiene. Ou seja, o que é realmente perigoso é o contacto com as fezes do gato. Ora na prática, durante essa altura, convém que a gestante tenha o máximo cuidado ao limpar o W.C. do seu gatinho, ou de preferência durante esse tempo pedir a alguém da família que o faça. Mas se não tiver mais ninguém que a ajude, apenas precisa de ter cuidado, colocar umas luvas e utilizar sempre uma pá para apanhar os excrementos. Ora acho que na realidade é assim que todos os nossos donos procedem. A Toxoplasmose só se pega pelas fezes. Ora, ninguém anda a limpar os nossos caixotes directamente com as mãos não é verdade, daí que não faça sentido tanto alarido com o facto de as grávidas não puderem ter gatos. Mais facilmente contraem a Toxoplasmose através da ingestão de alfaces mal lavadas ou com o consumo excessivo de carne de porco. Aliás, se assim não fosse as médicas veterinárias e suas auxiliares de clínica nunca poderiam vir a ter filhos, ou teriam que abdicar de exercer a sua actividade profissional - tão nobre e necessária para nós - enquanto estivessem prenhas. Posto isto, não resta lugar para dúvidas mana, querida, a nossa casa é aspirada, lavada e todos os dias desinfectada. Também os nossos pertences não escapam a tais limpezas. Camas, brinquedos e mantas, volta e meia, tudo isto anda numa grande reviravolta dentro de uma grande caixa branca com um olho enorme, por onde eu espreito e vejo tudo a andar à roda. Verdade seja dita que as nossas camas quando de lá saem vêm cheirosas e fofinhas de novo. Mas Laura querida, se em tua casa, também existirem tais máquinas tem muito cuidado pois a dona está sempre a alertar-nos no sentido de nos afastarmos delas, pois diz não serem nada aconselháveis a gatinhos. No meu caso a dona não me deixa nem chegar perto “A curiosidade matou o gato” é um provérbio que ela tem sempre em mente e o qual está sempre a lembrar-nos. Muitas vezes, a ouço dizer que: “ter gatitos pequenos, em casa, é tal qual como ter crianças, pois temos sempre que nos antecipar ao que aquelas jovens cabecitas se lembrarão de fazer de seguida”. Fios eléctricos e fichas também devem estar sempre bem protegidos. Diz ela que a máquina de lavar, é assim que lhe chama, não é sítio para gatinhos. Aliás, qualquer gato, ao chegar cá a casa é logo advertido de não se aproximar das máquinas, da sanita e de janelas abertas, embora, não fosse necessário tal reparo pois a dona é sempre muito cuidadosa e presta especial atenção ao assunto nunca deixando nada aberto sem protecção. Segundo ela pode ser terrivelmente prejudicial para nós entrarmos dentro de uma máquina que ficou aberta ou passear-mo-nos em janelas de últimos andares. Costuma dizer-se que “o gato cai sempre de pé”. Ora nem sempre isso sucede mana mas mesmo que aconteça, cair de pé, pode sempre correr riscos de fracturas, e muito mais de se perder, pois se o dono não se aperceber logo do sucedido, até o socorrer, o gato que não está habituado à vida de rua pode desorientar-se e ser atropelado ou apanhado por um cão. Assim sendo, cá em casa, todas as janelas estão protegidas com uma rede transparente, por forma, a que possam estar abertas para entrar o sol e o ar permitindo-nos assim espreitarmos o que se passa lá fora sem correr-mos o risco de cair e de nos magoarmos. Quanto a este assunto mana, sou eu própria, que me vejo obrigada a chamar-te à atenção para o perigo em questão pois infelizmente, vivi na pele, uma aparatosa queda de um quarto andar. Por teimosia minha, pois verdade seja dita a dona sempre nos proibiu de irmos para a varanda, já que é a única divisão que (por questões de não autorização) a dona não tem fechada com as tais redes de protecção de que te falei à pouco. Na realidade nenhuma das outras gatinhas para lá vai, apesar de também terem vontade. Mas, sabes como é quando se tem apenas um ano de idade. Não medimos as consequências e eu gostava muito de ir lá para fora brincar com o Xico e ver quem se passeava na rua. O facto é que devido à minha contumácia esgueirei-me para a varanda, sem que a dona o soubesse, e caí do parapeito abaixo. Por pouco, quase acertando na cabeça de um pobre transeunte que ia a passar, no momento. Mana tu não imaginas o medo que tive. Não fazes ideia do que eu passei na rua. Primeiro, dei comigo a rodar e rodopiar sobre eu mesma, às voltas, em quanto tentava chegar a solo firme o que parecia nunca mais acontecer, não tendo, no entanto, tudo isto demorado mais do que uns breves segundos. Lá consegui aterrar a quatro patas ao que me sobreveio um sofrimento horrível nas patinhas que logo me fez pensar: - lá se vai a carta para a minha irmã pois com estas dores não vou conseguir acabar de escreve-la. Depois, logo de seguida pensei em voltar para a minha rica casinha, mas como? A única coisa que eu sabia era que tinha caído lá de cima. Agora, diz-me tu, minha irmã como é que uma gata que vive em casa, protegida pelos seus donos, no aconchego do seu lar, rodeada dos carinhos e atenções de todos, de repente encontrando-se na rua sabe encontrar o caminho para casa, ainda por cima de um quarto andar, com portas de rua fechadas. Conclusão, entrei completamente em pânico e só pensava em encontrar um buraco para me esconder. Sem consciência do perigo corri para o outro lado da estrada, aventurando-me pelo meio dos carros. Apareceu um humano simpático que tentou socorrer-me mas o meu medo era tanto que até ele se assustou. No entanto, ainda tentou bater a algumas portas a tentar saber quem seriam os meus donos. Andou muito perto, mas o nosso prédio é muito grande e como deves imaginar o senhor não ia tocar em todas as campainhas. Apareceram uns quantos humanos simpáticos predispostos a ajudar mas, havia também, alguns outros, muito pouco convincentes e merecedores de confiança e perante o barulho ensurdecedor dos carros, ali mesmo, ao pé de mim, a cada minuto que passava eu ficava mais assustada. Aventurei-me novamente a atravessar a estrada, desta vez, para o passeio do lado, de onde caí, e de onde moro tentando enfiar-me em qualquer buraco que me aparecesse à frente na esperança que fosse esse a porta de passagem para a minha casa. Até nas condutas de ar das garagens do prédio, tentei entrar, mas como sou grandota não consegui. A dona dá Graças a Deus por tal. Pois diz não fazer a mínima ideia do que me poderia ter sucedido se eu tivesse conseguido entrar nesses buracos. Não sabia ser tão aterrorizador o barulho vizinho dos carros. Também vi, e de muito perto, pois isso foi o que mais me assustou ainda, uns carros muito grandes, compridos e barulhentos que paravam perto dos humanos, ao sinal destes, para logo depois se irem embora a bufar tal como nós gatos fazemos quando estamos irritados. Mas pelo que me foi dado ver os humanos não se assustam nada com tais assôpros. Pelos vistos, gostam até mesmo de se passear neles pois entravam em grandes quantidades lá para dentro. Também vi cães com aspecto e atitudes muito diferentes das do meu querido Xico. Perante tudo isto fiquei em pânico! Enfiei-me entre umas grades e uma janela de vidro e ali fiquei inerte como uma estátua. Não sabia o que fazer. Talvez assim não me fizessem mal. Aí, uma senhora enviada pelo Universo para me salvar (que a partir de agora vou designar de minha salvadora número 2) viu a minha aflição e não foi de meias medidas, como não conseguisse retirar-me de entre as grades onde me encontrava, pois como te conto eu estava que não me mexia e o espaço entre o vidro e as grades era tão pequeno que não permitia que ela conseguisse forçar-me a dar a volta para sair viu-se obrigada a quebrar o vidro. E assim fez. Partiu o vidro e ajudou-me a dar a volta para conseguir tirar-me dali. Foi aí que me devo ter cortado e ferido mas pelo menos tinha alguém bondoso que me iria proteger. E foi, assim mesmo, que tudo aconteceu. A referida senhora levou-me com ela, tratou-me da ferida pois tinha perdido muito sangue e deixou-me sozinha a descansar. Mana aquilo lá fora é uma selva! Não há condições. Por outro lado andava a minha dona porta fora, aos gritos pelo Bairro do Outeiro da Vela, em Cascais, à procura de uma linda gatinha preta que tinha caído da varanda abaixo. Mas como só se apercebeu da minha ausência umas horas depois do sucedido já todos estes humanos se tinham desencontrado uns dos outros. Rapidamente formou-se uma equipe de salvamento de entre familiares que a dona logo reuniu e vizinhos que de boa vontade se juntaram todos à procura de uma linda gatinha preta que tinha desaparecido. Aos poucos, de entre muita gente que não tinha visto nenhuma gata preta a dona foi conseguindo falar com alguns humanos que me tinham visto. Chegou mesmo a travar conversa com o referido senhor que me tinha tentado socorrer não fosse eu estar tão assustada. A todos a dona ia deixando o seu nome e contacto ficando em ânsias quando alguém lhe respondia: - Sim, sim eu vi uma linda gata preta, era muito bonita, grande e com uma comprida cauda. Infelizmente, por um lado, nós cá em casa nunca usámos coleiras identificativas porque a dona sempre teve medo que pudesse-mos ficar presas e magoar-nos. Pode acontecer os gatinhos ao roçarem-se pelos móveis ficarem presos pelas coleiras e sufocarem. Mas, agora, existe um outro método que consiste na aplicação de um chip identificativo colocado por um veterinário por debaixo da pele, do lado direito do nosso pescoço, que convém que todos os animais usem pois nestas circunstâncias pode-se, mais facilmente, recorrendo a uma clínica veterinária encontrar os donos do animal que se perdeu. É indolor e não nos é prejudicial. Pensa-se, que em breve, venha mesmo a ser de uso obrigatório para todos os animais conseguindo-se assim, ajudar muitos animais perdidos a encontrarem os seus donos e travar também, o escandaloso abandono de animais indefesos. Passadas várias horas sobre a queda e o meu consequente desaparecimento à medida que a dona continuava a questionar todos os transeuntes com que se cruzava ia refazendo todos os meus passos que sempre acabavam por a levar para essa referida janela, onde me escondi, e fui salva pela minha salvadora número 2 e onde, a dona, já por diversas vezes, tinha também ela vasculhado de um lado para o outro sem qualquer resultado positivo. Desiludida, cansada e já quase sem saber o que mais havia de fazer pois à medida que o tempo passava diminuíam, cada vez mais, as hipóteses de me encontrar voltou a casa e, nesse mesmo instante, ao abrir a porta, veio-lhe de repente há memória, uma imagem que durante toda a semana anterior lhe aparecera e a andara a deixar bastante intrigada. A imagem da Santa Filomena, numa pagéla, que a minha dona guardava religiosamente na mesinha de cabeceira e que eu com o meu costume de abrir as suas gavetas para ver se haveria, por lá, algo que me agradasse não sabendo claro está, do que se tratava e muito menos o que fazer com aquilo acabava sempre, depois, por a colocar à porta da entrada na esperança de que a dona, quando chegasse, soubesse o que fazer com ela. A dona quando chegava e a via na porta de entrada ficava estupefacta e voltava a coloca-la na gaveta. No dia seguinte nas minhas andanças à procura de distracção voltava a tira-la da gaveta não no intuito de tirar a referida imagem mas há procura de algo engraçado com que me distrair só que depois de ver o que era e não conseguindo voltar a coloca-la de novo, dentro da gaveta, lá voltava a deixa-la há porta para que a dona tratasse do resto. A dona diz ter tido consciência plena, disso mesmo, pois conhece muito bem as gatas que tem. Mas que aquilo era um sinal também, ela, não tinha a menor dúvida disso. Só não tinha conseguido ainda, perceber qual a mensagem. Estariam elas em perigo e seria necessário rezar? No meio de tantos afazeres acabou sempre por guardar a referida pagéla sem que lhe prestasse a devida atenção. Mas que não era à toa que a imagem aparecia ali, não era. E foi lembrando-se disto -por algum motivo aquela imagem tinha aparecido ali à porta durante aqueles dias - no momento preciso em que entrava em casa, que correu escadas a cima em busca da referida imagem, ajoelhando-se e orando à Santa Filomena para que a ajudasse a encontrar a sua gatinha. Depois de rezar, mais calma e serena, voltou a repensar tudo o que tinha acontecido, até então, e no facto de tudo indicar que eu me tivesse escondido na tal janela. Pensando isso, voltou a sair de casa E foi devido à sua insistência em indagar o que se passara nesse gradeamento e juntamente com outras pessoas que a ajudavam na busca que a minha salvadora número 2, passando, mais uma vez, na zona (nada acontece por acaso...) vendo tanta gente a espreitar para a referida janela se aproximou, também, ela, curiosa de saber o que ali se passava. Ao que a nossa dona vendo a referida senhora pela primeira vez logo se apressou a lhe questionar também, se por acaso teria ela visto, por ali, uma linda gatinha preta. Ao que a referida senhora lhe respondeu não só a ter visto como lha ter guardado, foram essas as suas palavras que a minha dona diz ter guardado, também, ela na sua memória. Agora já estou a recompor-me, mas não me escapei a ter que levar, todos os dias, durante uma semana, três picadelas de injecções nas minhas ricas pernas. Tive, também, que receber soro e, pior que isso tudo, levei 2 pontos no meu rico traseiro para ajudar a cicatrizar uma ferida muito grande e profunda que fiz ao tentar esconder-me ou ao salvarem-me, pois devido ao choque em que fiquei, na altura, já nem me lembro bem como foi só sei que senti muitas dores. É pois verdade Laura querida que é preciso termos muito cuidado com as quedas. O pior e que muita gente não entende é que nós não somos “Super Gatos” e como tal imunizados contra quedas. Na realidade, caímos, como qualquer outro corpo sujeito às leis da gravidade. Pois não somos diferentes. As únicas diferenças que existem são duas: Primeiro não temos realmente medo de alturas o que, e por isso mesmo, já diz tudo. A ausência do medo torna-nos muito mais atreitos a meter-mo-nos em grandes enrascadas do que a maioria dos outros animais aos quais tais ideias nem lhes passariam pela cabeça. Embora, também, quanto a esse assunto hajam numerosas histórias engraçadas de gatinhos que subiram de livre vontade a postes, árvores e muros altos e que depois quando é chegada a altura de descer se negam completamente. Para cima é tudo muito fácil na óptica de um felino agora à vinda para baixo a paisagem torna-se muito menos atractiva. Ficando os donos muitas vezes aflitos ao tentarem salvar os seus gatos que em pânico gritam a pedir socorro mas que depois quando o sujeito salvador, não é o seu dono, mas sim, alguma alma benemérita tal como muitos bombeiros que no cumprimento do seu dever se enchem de amor pelos pobres animais - mas completamente desconhecedores do comportamento felino – e ao tentarem socorrer o inocente gatinho se vêm confrontados com um aterrorizador gato armado de dentes e garras de fora apenas, porque está cheio de medo. Segundo: por norma graças a uma rotação automática do corpo o gato consegue cair de pé. Mas não é infalível e depende muito da altura a que se dá a queda. Posto isto, mana é realmente necessário termos muito cuidado com as alturas. Eu tenho é que agradecer à Santa Filomena, ao Universo e a todos os outros que ao serviço do bem me ajudaram por tudo ter ficado por isto mesmo e eu não me ter magoado mais. Pois podia ter partido a coluna. Tive uma hemorragia interna no pulmão que me causou grandes dores no peito e por isso ter andado vários dias a fazer tratamento com antibiótico e mais uma data de coisas que me receitaram. Para não falar que tive que andar, outra vez, mais de uma semana, com o tal capacete na cabeça por causa dos pontos que levei. Enfim, Laura, mas cá estou agora mais restabelecida. Tem muito cuidado contigo e avisa também as tuas companheiras, pois eu já ouvi dizer que uma das tuas aventuras, aí em casa, é fugires quando os teus donos entram para fazeres de escorrega pelo corrimão das escadas. Mana isso pode ser muito engraçado mas tem cuidado. Pois não vás te magoar ou perder. Quanto à nossa higiene gatal como qualquer gato que se preze nós próprias cuidamos do essencial. No entanto, contamos sempre com o apoio da nossa dona para desparasitação, cortes de unhas, limpeza de orelhas, escovadelas à pelagem e verificação geral. Quando algo não está ao seu agrado, lá vamos nós para os senhores doutores, que nos observam muito atentamente e nos medicamentam conforme for o caso. Também no que respeita à nossa educação ela é do mais refinado possível. Musica, só clássica, nada de barulheiras estridentes. A nossa dona, costuma dizer, que não gostamos de sons barulhentos e muito menos conveniente ainda – para ouvidos tão sensíveis – músicas berrantes. Assim, Vivaldi, Strauss e Tchaikovsky fazem parte da nossa cultura musical. Também somos presenteadas com inebriantes sons de cachoeiras e o cantar dos passarinhos que fazem as nossas delícias de fim de tarde. Francamente, não sei como é possível pois vivemos num pequeno apartamento, no meio da confusão de Cascais, e por vezes, mais parece estarmos em plena natureza rodeadas dos mais belos sons e agradáveis aromas. Várias vezes, a oiço repetir sobre a importância das vibrações no ambiente que nos rodeia. Acho que se chama a isto Feng Shui, ou seja a arte de tentar viver em harmonia com a energia “chi”. Parece que a nossa casa foi decorada tendo em atenção algumas destas normas. Trata-se de pequenos princípios, de práticas orientais, que em muito nos ajudam a sentir melhor. Pelo menos as casas ficam bem mais bonitas. Deixa-me tentar dar-te um exemplo. A energia existe! O chi é a energia vital que se encontra em tudo o que nos rodeia. Agora imagina que “ela” a energia te bate à porta. Tu abres. E tens a casa toda desarrumada, suja e com certas características pouco aconselháveis em termos de Feng Shui. O quê que acontece? A energia fica apavorada e vai-se embora. Ora se começámos por dizer que a energia faz parte de tudo é porque aceitamos que necessitamos dela para viver. Se ela se vai embora!... Não vai ser nada bom para nós, não é verdade!? Pelo sim e pelo não, mais vale, tentarmos, todos, viver em harmonia. Ora vibrações e gatos são coisas que parecem andar de braço dado. Ou não fossemos nós portadores de grandes e belas vibriças capazes de fazer inveja a muitos homens de barba rija. E neste caso Laura, minha irmã, só te conto que não fosse o caso de ter a minha barriguinha tão cheia dos deliciosos croquetes, das rações que a minha dona nos dá, por vezes, tal como te dizia, ao ouvir tais passaritos até que negras ideias me passariam pela minha rica cabecita preta. Imagina só como seria bom apanhar um daqueles pássaros gordos e anafados. E come-lo. A que será que sabem?... Na realidade era a comida que os nossos ancestrais comiam. Ainda agora, os gatinhos errantes não têm outra alternativa. Mas não, Laura, na verdade, eu sou uma gata de boas maneiras e de melhores princípios ainda! Por isso, nesses momentos sento-me muito direita como uma grande esfinge preta, com a minha cauda de trinta centímetros, enroscada à volta do corpo e medito!...Valha-nos a boa ração e certos humanos bondosos que dedicam o seu tempo a aperfeiçoarem os referidos biscoitos a fim de nos deliciarem com tais comidas. Ai está um bom modo de ganhar a vida. Nem me quero imaginar com a minha boca cheia de penas. E ossos? Brrrr. Nnhãooo. A nossa dona é vegetariana. Por uma questão de princípios diz não comer cadáveres. É contra matar seja o que for. Diz ela não ser bom para a sua evolução pessoal e para além disso ser muito mais saudável. Até mesmo quando outros bichos vêm até cá a nossa casa, como por exemplo umas baratas que, no Verão passado, faziam excursões até cá para nos visitarem, a dona nunca nos deixava brincar em demasia com elas. Voavam logo pela janela fora. Era de rir ver as baratas a planarem do quarto andar em que vivemos e quando aterravam desatarem a correr pela estrada fora. Moscas e traças, também. Ela diz não ter o direito de lhes tirar a vida, mas que também não abusem da sorte pois não pode acolher todos os animais que se lembrem de aparecer por cá. A casa é muito pequena estás a entender!?... Laura cá para nós, as duas, eu às vezes não me aguento com certas moscas irritantes e barulhentas e sem que a dona saiba já mandei algumas desta para melhor. Uma gata não é de ferro não é verdade!? E eu não tenho sangue de barata, e muito menos ainda, sou vegetariana. Pelo contrário, nós gatos somos carnívoros estritos! Mas conta-me. E tu como é que passas o dia em tua casa? Deixam-te fazer o que te apetece? Já ouvi dizer que sim, que tens liberdade para brincar à tua vontade com a Mafalda e a Sara. Tens muita sorte em ter sido adoptada pelos teus donos pois parecem ser bons “humanos”. E o que comes? E musica, podes ouvir o que te apetece, Rock por exemplo? Há, há, há, ouvi dizer que os companheiros dos nossos manos, há uns tempos atrás, quando eram mais novos, a nossa salvadora não se importava que eles ouvissem tais músicas. Pois parece que o irmão da nossa dona, como era muito novato, na altura, era apreciador desse género musical e então os gatinhos também tinham licença para escutar. Eu, nunca ouvi. Nem sei do que se trata. A não ser quando alguns gatos vizinhos ouvem então eu escuto, mas muito ao de longe e é muito raro. A dona diz que não é bom para nós, e ponto final. Outro aspecto a que a nossa dona dá especial atenção é à nossa capacidade de comunicação. Diz ela que é muito importante para nós, gatos, desenvolver-mo-la. Aliás, para todos os animais. A dona é de opinião que os animais reagem, tal qual, como as crianças reagem a estímulos. Se lhos forem dados elas terão mais hipóteses de reagir caso contrário ficarão atrofiadas. Com os animais passa-se identicamente o mesmo. Por isso, quanto mais estímulos nós recebermos logo de pequeninos maior será o nosso desenvolvimento e logo a nossa capacidade de vocalização. E para que tal aconteça ela não se cansa de falar connosco. Só te digo eu minha querida irmã que por vezes fico admirada com a capacidade que ela tem de, em tão pouco tempo, conseguir dizer tanta coisa. Fico espantada. Parece que é por ser fêmea. Pelo menos foi o que a Picoly diz já ter ouvido alguém, em tempos, comentar… Aliás, para a minha dona o diálogo é deveras muito importante. Ela adora conversar, mesmo que seja com qualquer quatro patas que se cruze no seu caminho. Parece ser seu costume, ao entrar a porta para tratar dos seus clientes, chama-los pelo nome e a partir daí, logo estabelecer grandes diálogos com os ditos cujos cães e gatos chegando mesmo, por vezes, a entrar em grandes e alegres cavaqueiras. Imagino, Laura, a cara de espanto e admiração daqueles nossos congéneres que não estão habituados a trocar grandes palestras com os seus donos como devem estranhar a atitude da minha dona. Mas ela não se deixa intimidar passando mesmo, com os mais tímidos, apesar das suas caras de admiração a questiona-los sobre como é que passaram o dia na ausência dos seus donos. Quem sabe, ainda um dia te escrevo a contar sobre os seus clientes. São deveras emocionantes as histórias que a ouvimos descrever. Existe um em particular, um Dálmata que segundo ela diz: “É um cão com muita pinta”. Parece que é um cão muito seguro de si, extremamente independente mas ao mesmo tempo muito carinhoso. Qualidades essas que a minha dona muito admira. Já a ouvi comentar ter ido fazer este cliente em baixo de forma, cansada e triste e ao sair de lá vir alegre e leve como um pássaro, feliz com a vida por ter a sorte de ter um trabalho tão estimulante. Para ela o contacto com os animais é muito gratificante. Diz ela que o facto de poder transmitir amor e carinho àquelas criaturinhas já a deixa feliz. Bem, por vezes, nós aqui em casa chegamos a ficar um pouco irritadas com certos comentários acerca deste e daquele. No caso dos cães, cá para nós, não nos aquece nem arrefece quem não gosta muito é o Xico que digamos de seguro de si é que não tem nada mas quanto a reparos do género: -“Os gatinhos gordos da Parede são tão meigos e carentes...” ou -“a gatinha branca de Oeiras comporta-se como uma verdadeira senhora.” Mas logo de seguida ela abraça-nos e lembra-nos do quanto gosta de nós e pronto lá fica tudo bem. Parece que no seu coração existe espaço para muitos cães e muitos gatos. Não temos com que nos preocupar! Também as nossas actividades lúdicas são exploradas de todas as formas possíveis e imagináveis. A nossa dona é de opinião, que hoje em dia, já não há condições para podermos sobreviver sozinhos na rua. Devido ao grande desenvolvimento que houve nos centros urbanos: estradas apinhadas de carros, a correr velozmente de um lado para o outro, grandes blocos de cimento apinhados de seres humanos e a forma apressada como cada um vive a sua vida não permite aos animais continuarem a viver tal como os nossos progenitores viviam - com gente calma a andar a pé, a viverem em casas afastadas umas das outras com muitos espaços verdes entre elas e sem carros – o que proporcionava aos nossos antepassados poderem abrigar-se, caçar e assim alimentarem-se e cuidarem das suas crias, mantendo-se assim a evolução da espécie. Embora, ainda se encontrem alguns humanos sensíveis que, às escondidas, nos tentam ajudar e proteger dando-nos comida aos cantos dos prédios – isso não é solução pois não só continuamos a ser vítimas fáceis dos carros e de alguns cães menos bem intencionados, como também, podemos ser objecto de brigas e desavenças por parte de alguns humanos que não gostam de nós (sendo mesmo proibido por lei alimentar-se os animais de rua). E embora nos custe e não consigamos entender o porquê temos que respeitar. Ora nestas circunstâncias a nossa dona acha que ao levar-nos para casa tem que nos compensar e proporcionar todo o tipo de brincadeiras que nos ajudem a crescer e desenvolver-mo-nos fortes e saudáveis. Daí o termos liberdade para podermos andar por onde quisermos e brincar com quase tudo. Algumas vezes até, é ela mesma, que nos incita a cometer algumas loucuras. O que não foi necessário no meu caso, claro está. Mas parece, que a alguns, gatinhos, mais tímidos, a nossa dona chegava mesmo a sugerir algumas hipóteses de brincadeiras tais como subir para os móveis mais altos e ensinar-lhes assim a saltar de lá para baixo. Quanto a isso tenho mesmo várias histórias muito engraçadas para te contar. Até mesmo o dono já o ouvi dizer, por mais que uma vez, que se as gatas quisessem andar em cima da cabeça da dona ela deixa-las-ia andar. Pois acredita que já aconteceu isso mesmo, e a protagonista fui eu (embora a Fôfa nos seus tempos áureos também, já o tivesse feito) Vou-te contar: O nosso frigorífico fica encastrado num tampo que faz de mesa de refeições. Ora acontece que a dona tinha-se baixado para abrir a porta do frigorífico para tirar, de lá de dentro, um pacote de leite e quando se levantou para a fechar eu que não tinha reparado nisso, nesse mesmo instante, já tinha formado o meu salto para pular para cima da mesa. O que quer dizer como bem deves estar a calcular que choquei contra ela acabando por aterrar na sua cabeça. Na altura, a dona não achou muita graça e chamou-me mesmo uns quantos nomes menos impróprios que eu agora não me atrevo a repetir, mas, depois, até se riu. Mas, segundo já ouvi contar, parece que neste assunto de saltos, tu minha irmã, ainda fazes melhor: pelo menos, o que consta aqui em casa é que tu saltas de um móvel muito alto que existe, na casa de banho da tua casa, dando uma cambalhota no ar, para aterrares no cesto da roupa suja. Essa é de mais Laura! Gostava de ver. Vê-se logo que és minha irmã! Sabes que se tiveres um pouco de paciência com os teus donos também podes ensinar-lhes algumas brincadeiras engraçadas?! Há, coisa de umas semanas, para cá, consegui treinar a minha dona e já alguns membros da família a atirarem umas bolas de papel para longe para assim eu me distrair e fazer um pouco de exercício enquanto me divirto a jogar à bola. Já cheguei mesmo a jogar com a nossa salvadora que ficou toda enternecida com a minha delicadeza de querer fazer um joguinho, em particular, com ela. Agora que todos sabem que eu gosto deste jogo, até as visitas da casa, quando cá vêm, aproveitam sempre, para jogar um pouco comigo. É muito engraçado. Hás-de experimentar! O jogo consiste do seguinte: Primeiro - tens que convencer os teus donos a amachucarem um bocado de papel de forma a este se moldar no formato de uma bola. Segundo - eles atiram-te a bola ao ar para que tu a vás apanhar. Aproveitas a oportunidade para fazeres umas piruetas a teu gosto. Terceiro - aí depende de ti, vais entregar a bola ao teu dono para que ele repita a brincadeira por várias vezes até te cansares. Experimenta, que vais ver que é engraçado. Eu como te digo comecei pelas bolinhas de papel, mas agora, prefiro jogar com as verdadeiras. Temos uma especial para gatos. É feita de borracha colorida e muito bonita, de formato irregular o que a torna completamente indecifrável quanto à direcção que vai tomar daí ser muito mais entusiasmante para mim. Também o facto de ser de pequena dimensão a torna de muito fácil transporte. A nossa dona diz nunca ter comprado brinquedos para os seus anteriores gatos até ter conhecido a Fôfa, pois sempre achou que os gatos eram os animais que melhor sabiam brincar e que, por isso, qualquer objecto serviria, tal como uma carica, uma bolinha de papel, uma linha, enfim a bem dizer qualquer coisa faria as suas delícias. Segundo a dona, um gato, até com o nada consegue brincar. È só uma questão de lhe apetecer. Diz ela, que: -“Na certa, já todos viram um pequeno gatinho todo entusiasmado, a correr de um lado para o outro, muito aflito com medo de perder algo que tem entre as patinhas e que, melhor observado, na realidade não é nada”. “Não se preocupem que o gatinho esteja doido, pois coisa de que nunca ouvi falar foi de um gato maluco, quer dizer alguns quase que nos deixam malucos a nós, humanos, agora gatos malucos, pirados mesmo, nunca vi. Os gatos tem uma filosofia de vida muito especial e evoluída demais para virem a ficar doidos. Bem não posso garantir que não haja por ai uns quantos, mas na certa serão excepções.” Mas já que estamos a falar disto é necessário fazer muita atenção ao seguinte, mana: Que se malucos não haverá, há, no entanto, já muitos, por aí, a sofrer de stress e isto é assunto da máxima importância a que os nossos donos devem estar muito atentos em conseguir decifrar os sinais e tratar do seu gato a tempo. Ou seja, antes que o pobre coitado tenha que recorrer a actos menos dignos (aspersão de urina, arranhadelas e máu humor constante, para já não falar dos que se escondem e ninguém os vê) - em resposta a um qualquer problema que na óptica dele, gato, lhe está a causar ansiedade e que ele não consegue resolver - não fazendo de conta de que nada está a acontecer e que apenas o gato é porco porque começou a urinar fora do pote ou se tornou agressivo. Muita atenção portanto a alguns sinais tanto fisicos como comportamentais tais como obesidade, alopécias e cistites que terão que ser analisadas por um médico veterinário que despistará  uma qualquer patologia, ou, terão como fundamento apenas o foro comportamental. Nesta caso, algumas transformações na casa e disposição dos pertençes do gato puderão ser o suficiente para lhe devolver a confiança e bem-estar de que tanto necessitava.

Voltemos à Fôfa que com a sua graça e regozijo ficou tão contente quando a dona lhe comprou o primeiro brinquedo e mostrou tal entusiasmo que a dona nunca mais resistiu e volta e meia, quando pode, claro está, traz-lhe um presente que ela recebe sempre com a mesma paixão e alegria do que quando era pequenina. Mesmo, agora, não vendo quase nada, pois está quase cega, continua a ser a mais brincalhona e divertida de todas. Por vezes, de manhã, bem cedo, quando a dona se está a arranjar para sair de casa, ao pegar no espelho para se maquilhar, origina que se formem algumas bolas de luz, na parede do tecto, que está por cima da cama onde ambas se encontram. Ora acontece, que consoante a dona se mexe, também, as referidas bolas se vão deslocando para júbilo da Fôfa, que desvairada de todo, começa aos gritos e aos saltos, em cima da cama, a tentar apanhar as referidas imagens que se formam na parede. O mais engraçado disto tudo, pois, também eu, quando vejo tais reflexos fico exaltada é que passadas algumas horas, após o sucedido, mesmo sem reflexos de coisa alguma, a Fôfa, quando se senta em cima da cama fica logo em alerta, de olhos postos no tecto, não vá alguma bola aparecer de repente e apanha-la desprevenida. Será isto devido aos problemas de visão? Por vezes, até chegamos a gozar com ela. A dona, certas vezes, chega mesmo a dizer-lhe muito baixinho aos ouvidos: -“Sossega Fôfa, que não se passa nada no tecto”. “Podes descansar e dormir em paz”. Igualmente, para nos divertirmos e no que respeita aos acessórios outra coisa que a dona adora fazer é pendurar, nas escadas, por fios de elástico, aranhas ou moscas daquelas que os humanos usam no Carnaval para brincar entre eles. Quem mais adora essa brincadeira em especial é a Micas, é capaz de ficar horas às voltas a tentar apanhar as aranhas. Eu sou muito boa nesse jogo. Ganho sempre. Rapidamente consigo arrancar todas as aranhas e moscas que estão penduradas e perde-las logo a seguir por debaixo do primeiro sofá ou móvel que esteja por perto. E assim acaba logo o jogo. Só não percebo, é porquê que ficam todas aborrecidas e com um ar enfadado. Até a dona, por vezes, acho que também fica irritada. Será que é porque tem que ir, de novo, pendurar as aranhas? Ora não é caso para isso. Já não pode uma gata ganhar um jogo que ficam logo todas mal-humoradas. Mas como te dizia a cerca das minhas companheiras: Tem as duas manas mais velhas que são a Fôfa que é a chefe do grupo (é unha com carne com a dona) e a Nina que é o mau feitio cá da casa, mas depois já te descrevo em pormenor cada uma delas. Continuando, depois vem a Kitty Kitty, que não chateia ninguém e conseguiu logo nos primeiros anos de vida ter vários problemas de saúde, cada um dos quais mais cabeludo do que o outro. A seguir vem a Micas que é boa criatura mas um pouco histérica e depois a mais novata a Picoly que é a mais pequenina de todas. Vê lá tu que consegue ser mais pequena do que eu e já tem seis anos. Bem, eu por acaso estou muito desenvolvida para a minha idade, a dona até se questiona aonde é que eu irei parar, a crescer assim tanto. Mas como te estava a contar, esta última, a Picoly é a minha maior amiga. Aliás, é a única com quem uma gata pode ter uma conversa de jeito. Que por sinal, temos muitas, por vezes, adormeço com ela a lavar-me a cabeça e a contar-me histórias de encantar, é muito terna. Nas horas que passamos sozinhas, e que são muitas, pois devido a questões de ordem profissional a dona passa muito tempo fora de casa o que nos dá imenso tempo para dormir, brincar e nos entremeios, como te dizia, enquanto nos lavamos conversar sobre a vida. É nestas alturas que a Picoly aproveita para narrar-me as histórias que te passo a contar. Vou então, descrever-te as minhas companheiras e relatar, por ordem cronológica, como todas elas chegaram até cá.